20.12.05

O texto abaixo é uma crônica que escrevi para a matéria Jornalismo Opinativo:
Sobre o desenho
Dos quatro aos seis anos de idade, morei no Rio de Janeiro. Meu avô era químico do Jóquei Clube e me lembro de sempre vê-lo ler o JB pelas manhãs. Após ele ir para o trabalho, eu me sentava em sua cadeira e fingia ler o jornal. Algum tempo depois, comecei a acreditar que já sabia ler e escrever. Então peguei algumas folhas de papel e comecei a rabiscar e as mostrei para minha avó. Ela então me disse que eu não tinha escrito nada, mas desenhado. Mais tarde, alguns anos depois, ganhei de presente um livro, ALÉM DO RIO – do Ziraldo. Foi o primeiro livro que li e me lembro dos desenhos feitos apenas de cores que ao se tocarem formavam uma linha. Isso me impressionou.
Todas as férias, até minha maioridade, passei em Cataguases. Minha família paterna é da zona da mata. O centro de Cataguases foi projetado por Oscar Niemeyer. Eu era o único neto que não tinha bicicleta. Eu usava uma bicicleta emprestada bem antiga. Rodava toda cidade, admirava a arquitetura. Um dia, deparei-me com uma igreja toda pintada. Aquilo pra mim foi uma grande alegria. Os desenhos eram soltos e livres. Nas manhãs seguintes voltei à igreja para ficar copiando os desenhos. Disseram-me que aquilo era uma pintura e seu autor se chamava Cândido Portinari; e que não havia apenas uma igreja, mas várias espalhadas por toda a cidade.
Algum tempo passou e minha avó levou-me à casa de uma tia velha, parente distante. A casa era cheia de quadros. Vi marinas do Panceti, bandeirinhas do Volpi, retratos de Portinari. Quase todos os pintores da semana de vinte dois e do modernismo. A casa também era um projeto do Niemeyer. E me explicaram que arquitetura também era desenho. Depois minha avó me deu uma coleção de livros grandes com obras de muitos pintores, desde Gioto até Cézzane.
Voltei para Belo Horizonte e me disseram que perto de casa havia um museu. Aquela bicicleta bem antiga já era minha. Comecei a pedalar em volta da lagoa da Pampulha quase todos os dias. O museu não era aberto ao publico, mas atrás dele ficava o único bebedouro de todo o entorno da lagoa. Ao contornar o museu, entre as cortinas, eu observava as pinturas largadas e espalhadas no chão, desprezadas. Uns três anos depois o museu foi reaberto e pude rever todos aqueles quadros. Disseram-me que aquilo se chamava acervo.
Algum tempo passou e descobri que perto de minha casa também havia uma escola de Belas-Artes. Fui até lá e pedi pra assistir as aulas como ouvinte. Deixaram. Ia para o colégio de manhã; às tardes eu desenhava na escola nova. Então, conheci uma professora, Sandra Bianchi, grande desenhista e aquarelista, que me deu aulas por uns dez anos. Fui seu aluno e até hoje a visito para levar meus desenhos e discutí-los com minha amiga. Certa vez, ela me convidou para conhecer um grupo de teatro de bonecos que ficava ao lado da escola de Belas Artes, o Grupo Giramundo. Fiz a visita e comecei a ir ao local constantemente para ficar olhando um senhor desenhar. Ele se chamava Álvaro Apocalipse e foi a única pessoa que vi fazer um circulo perfeito a mão livre. (Dizem que Gioto foi convidado para pintar para o Papa por fazer um círculo a mão livre). Então perguntei como ele fazia aquilo. “O corpo é a ferramenta da mente”, me respondeu. Naquele dia aprendi que a linha antes de ser riscada já existe como pensamento. Exercitar o pensamento da arte e treinar a destreza do corpo é exercício para toda uma vida. Quando um artista ultrapassa esse limite não há mais nenhuma limitação, nenhum erro. O desenho fica livre como eram os primeiros desenhos que vi na igreja.
Ps: Sempre em minha casa tive contato com o desenho. Meu pai possuia alguns Pasquins antigos e colecionava todas as revistas do Henfil. Haviam também Asterix e Tintin. Quando fiz quinze anos, minha mãe perguntou-me o que eu queria. Respondi que não tinha nada pra ler. Ela então fez uma assinatura do jornal Hoje em Dia. Nesse jornal conheci os cartuns do Mario Vale e as ilustrações do Caú Gomes. Entendi o que era cartum. Mais tarde veio a leitura da revista Bundas e depois o Pasquim21. Mas foram nas aulas com Sandra Bianchi que aprendi o pouco de desenho que sei, ou não consegui aprender ainda... Sei lá!

16.12.05

Confesso que sofro de uma mistura de ansiedade e receio sempre que início um novo desenho. Este meu sentimento é semelhante ao medo que antecede um mergulho numa piscina de água gelada. Fiz o pequeno desenho acima pensado nisso...
Certa vez, li que o ateliê de Miró ficava perto de uma praia, mas não possuia janelas. Então, perguntram ao pintor sobre este detalhe e ele respondeu que a pintura era um mergulho para dentro de si mesmo. Miró pintava suas imagens interiores.
Desde a invasão dos EUA no Afeganistão venho fazendo variações deste desenho. Já devo ter feito umas dez, pelo menos. Esta é a ultima - de todas, a mais enxuta.